A violência ilustrada I

Não estive em S. Bento no dia da última greve geral. Afazeres vários levaram-me para outras paragens e para outra (a mesma?) greve geral, onde também não faltou agitação e turbulência. Tenho estado por isso atento a vários relatos e tomadas de posição relativamente ao que ali aconteceu, mas hesitante no que diz respeito a escrever algo sobre o assunto. Neste momento, porém, passados alguns dias e perante a sucessão de acontecimentos, parece-me oportuno fazer algumas considerações.

Desde Setembro que a rua escapava ao controlo policial e que a ilegalidade se banalizava nas manifestações, sem que fosse possível estabelecer a clássica e sinistra distinção entre os bons manifestantes pacíficos e os maus manifestantes violentos. A situação atingiu o auge quando bófias à paisana foram escorraçados da manifestação e obrigados a correr para trás do corpo de intervenção. Para resumir a coisa em poucas palavras, a iniciativa tinha passado para o lado dos manifestantes e escapado às chefias policiais, que não faziam ideia de como reagir sem contribuir para um agravamento da situação. Nesse momento, uma carga policial poderia ter incendiado o país inteiro, num contexto em que os membros do governo eram vaiados e insultados onde quer que fossem.

Mas no dia 31 de Outubro o cenário em S. Bento possuía já algo de surreal, reproduzido aliás no dia 12 em Belém, em frente ao CCB. Pouca gente na manifestação, mas muita dela de cara tapada, por vezes a uma curta distância da polícia, as barreiras lançadas abaixo, fogo ateado, objectos arremessados, insultos e nada. Nem uma carga, nem uma detenção, nem um cerco para identificação. Quem se habituou ao modus operandi clássico da PSP (desde as cargas na Rua do Carmo e em Setúbal, aos cercos na Av. da Liberdade aquando da cimeira da NATO e na Igreja dos Anjos no dia do desalojo de S. Lázaro ocupado, até às detenções por paisanos em diversas manifestações) não podia deixar de ficar inquieto perante este súbito jogo de expectativa.

Em Belém, algum pessoal de cara tapada investiu contra a barreira policial mas o que parecia ser um movimento de várias pessoas era na verdade um enxame de jornalistas que os filmavam e fotografavam à espera desse momento mágico capaz de resumir a situação política e social numa imagem. Consciente de que a guerra se estava a jogar ao nível da imagem e das representações, o comando da PSP quis preparar e encenar cuidadosamente a sua estratégia de intimidação e criminalização do protesto social. Foram então tomadas ao mais alto nível (ou seja, no governo) as decisões que levaram à carga policial de 14 de Novembro.

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